Como ver beleza no cotidiano sendo pobre?
A vida não é um morango, mas pode ser menos amarga
quando sua vida não parece ter saído do pinterest e a consciência de classe te deixa amargo, romantizar a vida parece sem sentido.
Para começar eu gostaria de dizer que isso aqui não é uma lista nem uma receita que você vai seguir, é uma continuação do post anterior quando eu falei sobre a romantização da vida, pra trazer agora um ar mais positivo e dizer que até que dá pra fazer isso, apesar de todos os problemas sociais, financeiros e estéticos. Mas se você quer entender mais sobre a romantiação da vida e a elitização que a permeia, leia o post da semana passada. Aqui vai ser algo mais leve, pensando em realmente conseguir ver coisas boas em meio ao caos e considerando sua realidade, e não os padrões estéticos e da industria que quer te vender algo.
É claro que, com um pouco mais de dinheiro e sem preocupações com contas, morando em um lugar bacana e tendo acesso a lazer e pontos turísticos legais, romantizar a vida se torna mais fácil e até divertido por causa desses aparatos, mas assim, todo dia a gente tem que tá mal? Todos os dias vamos sentar e chorar e reclamar do capitalismo, nos tornando cada vez mais amargos e niilistas? Não, pelo bem da sua saúde mental, NÃO!!!
A gente diz que a ignorância é uma dádiva e é verdade, vez o outra a alienação que lutamos tanto contra ela as vezes é bem vinda pra gente não bitolar da cabeça e esquecer que apesar do fim do mundo parecer mais próximo do que imaginavámos, conseguir ver um pouco de alegria sem precisar apelar para o uso de ilícitos. O famoso: ta no inferno abraça o capeta, e colocando de forma ao contrário a frase do Clodovil: vamos fazer esse enterro virar uma festa.
Antes de tudo: SAI DO INSTAGRAM E DO TIK TOK PORRA.
Perdão a agressividade, mas assim, como você vai gostar daquilo que vive se você ta enfiado ai nesse celular vendo as pessoas aproveitarem a vida enquanto você nem se quer foi passar uma água no rosto, lavar no cabelo, varrer a casa? A mente vazia é oficina do diabo e da comparação. Olhar para outra pessoa e perceber defeitos em você mas não fazer nada para melhorar é como se você tivesse gostando disso, vendo alegria na tristeza. E eu sei que as vezes você acha que precisa de uma rinoplastia, um tratamento caro no cabelo, um preenchimento labial, mas o minimo resolve. Lava o cabelo, fazer uma maquiagem que você gosta já te ajuda a parar se ver como coitada. Mas organizar o ambiente também é importante, mais do que a própria imagem.
Organizar as roupas ajuda a você lembrar do que gosta de usar. E idaí que você toda semana usa a mesma calça que deixa seu corpo lindo? As pessoas não reparam tanto assim em você, e se acha que repara é porque você repara nos outros, então você e a outra pessoa que faz isso estão muito desocupadas e precisam prestar mais atenção em si mesmos.
Por mais que você não more em um ambiente agradável, da pra fazer algumas pequenas coisas para mudar isso. Limpar ele é o minimo né, e mesmo que você more com outras pessoas e não pode tomar conta de tudo, faz o que pode. E sem se render ao consumismo, mas se puder compra algo decorativo (sem exageros) pra você sentir esse ambiente mais aconchegante, tipo um bom desinfetante, incenso ou bom ar, lar cheiroso da ânimo.
E pra fazer essas coisas, uma boa playlist ou seu filme favorito. Eu amo a ideia de fingir que estou em um filme, pra mim é melhor técnica de romantização, a música tocando como se fosse minha trilha sonora, por isso eu acho a música muito importante.
Agora depois do básico tem algumas atividades legais pra fazer, como eu falei no outro post, por mais que você não tenha tantos materiais, se você focar na experiência e não pensar apenas em uma foto bonita fica tudo mais fácil. Da pra fazer coisas incríveis só no tablet ou celular, da pra escrever no bloco de notas, da pra ler um pdf. Porque a gente tem que lembrar também de duas coisas: por mais que experiências com materiais físicos sejam mais saudáveis e até interessante, se não tiver isso ao alcance da pra improvisar, e a tecnologia não é exatamente uma inimiga, viver o offline não significa voltar ao analógico.
Foi colocado na nossa cabeça que seria legal um grande material de desenhar, velas aromáticas e luz ambiente, livros bonitos e uma varanda para ler. Mas assim, Isso são estímulos muitas vezes apenas sensoriais e que não influenciam tanto na prática. Pode deixar mais confortável, mas não deveria ser pré requisito, e quando você faz pequenos detalhes virarem regras você para de aproveitar detalhes da vida.
Ver beleza no cotidiano é isso, ter uma atividade gostosa pra fazer e sem exigir a perfeição, ter um ritual da manhã agradável sem estímulos das redes sociais, é ver um lugar bonito e tirar uma foto sem precisar se preocupar com o ângulo perfeito e nem alterar o ambiente pra ficar bonito, apreciar uma comida gostosa e sentir realmente o gosto dela, sentir a agua no corpo enquanto toma um banho, sentindo a textura e aroma dos produtinhos de beleza que você tem, usar uma roupa bonita sem uma ocasião especial ou se permitir se vestir de forma confortável, ou até mesmo sentar ai pra ler esse post e se sentir pelo menos 10% motivado a ver beleza na vida para além do pinterest e de artigos caros, no simples. É ver beleza nas coisas da forma que são e da forma que você pode sentir.
Por mais que o simples da blogueira seja o seu sonho de vida, a comparação só te leva a um fundo buraco. A gente tem consciência de classe pra saber que para alguns o pensamento positivo é mais fácil e as oportunidades maiores, mas aí focar na falta te cega para as suas possibilidades reais e te angustia.
A gente já sabe que descanso e acesso ao lazer é difícil pro pobre, mas ai você vai pro seu momento de descanso no barzinho da esquina e vai pensar: carai eu queria tá em uma lancha em São Miguel dos Milagres, mas tô aqui nesse boteco veio. É claro, a gente pensa assim. Só que depois a música tocando e a conversa fluindo você percebe que tem diversão no que está ao seu alcance. E tudo bem você não gostar de barzinho, por mais que sejam limitadas as opções de lazer (item para um post futuro), existem outras possibilidades, existem outras formas de lazer, de ver beleza na vida. Isso não quer dizer que você vá se alienar por completo, mas justamente que ter consciência de classe também é saber que nem tudo depende de você, vivemos em um sistema desigual e quanto mais padrões de beleza e coisas para comprar melhor para a indústria, mas pior pra gente.
Uma pequena pausa para dizer que enquanto este post estava sendo escrito, um vídeo meu falando que as redes sociais estão atrativas pela falta de acesso ao lazer “viralizou” no tik tok. Assim, não quero que este post soe hipócrita, pois são duas pautas diferentes: aqui é sobre como paramos de gostar de viver por causa dos padrões de beleza, o vídeo é sobre como infelizmente a falta de um descanso e uma rotina digna está nos viciando nas redes socais porque infelizmente, para grande maioria este é o único lazer existente. Dito isso, espero que este post possa ajudar um pouco nisso, mas também não devemos nos cobrar a viver o offline de forma que você nem se quer sabe o que pode fazer na vida real, ficando tentando a voltar e nunca saindo desse ciclo.
Conseguir aproveitar quando vida te possibilita isso é muito gostoso, você já trabalha tanto, você não precisa se angustiar para além das questões cotidianas que te cercam, porque por mais que você não tenha condições financeiras sua vida não se resume a isso, você é um ser humano e não apenas um corpo político que precisa a todo instante estar envolvido com as pautas sociais, que por mais que você as viva, essa não é toda sua vida.
Que o cansaço não tome conta da gente, que para além das questões sociais que infelizmente permeiam nossa existência, que as redes sociais, a internet, blogueiras e influencers não tenham poder sobre nossa vida a ponta da gente se achar um pedaço de lixo o tempo inteiro só por não ter um carro feio que é carissimo e hypado e viajar para um lugar que foi criado para gente rica mediocre se sentir melhor sendo que parece mais um bueiro a ceú aberto e que ironicamente também começa com B, quando na verdade as coisas boas da vida ainda continuam simples: comer uma comida gostosa, assistir um bom filme.
Que a gente se lembre das coisas que gosta de fazer, consiga aproveitar com as pessoas que amamos. E pra finalizar esse post pós feriado: espero de verdade que você que teve a oportunidade tenha aproveitado e não tenha se sentido culpado por descansar ao invés de ser muito produtivo. Ter a oportunidade de um tempinho de descanso é um grande privilégio que não deveria ser desperdiçado pela autocobrança e do fantasma da produtividade que te faz acreditar que você precisa ser sempre o melhor. Claro que a gente vai continuar lutando para progredir, para que todos possam ter acesso ao lazer, descanso e qualidade de vida, mas que você se lembre que isso não é sua única razão de viver e quando tiver acesso á essas coisas que tanto luta saiba que não é uma mera engenagem no sistema e sim um ser humano, porque infelizmente fizeram acreditar que pobre não pode ter dignidade, mas a vida não é só amargura. Ver beleza no simples e usufruir das pequenas oportunidades de lazer também é um ato anticapitalista, também é um ato de resistência.